quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

Resenha #16: A instrução dos amantes

      

     A instrução dos amantes é a primeira obra literária da jornalista portuguesa Inês Pedrosa. Confesso que me surpreendi com o que encontrei, pois comprei esse livro como quem não quer nada numa promoção lá do Angeloni, e não esperava nada demais, afinal, nem conhecia a autora e nunca tinha ouvido falar do livro. Mas foi uma surpresa boa, cheia de entrelinhas e aquelas frases, textos, parágrafos que me fazem querer ler um livro de novo. Tenho certeza que esse vai pra lista de releituras, e dos favoritos. 

"A paixão é o rosto visível desse sentimento trágico que mina a alma e lhe retira qualquer possibilidade de história. As mais perfeitas obras humanas comungam da imobilidade sem apelo dos milhares de homens e mulheres que um dia partem sem deixar qualquer rasto, por ténue que seja. A perfeição só tem par na devoção da inutilidade de que é o exemplo absoluto; a História não é mais do que a contínua tentativa de escapar à sublime cegueira desta luz." (pg. 57)



     Os nossos protagonistas são um grupinho de jovens, entre 16 e 20 anos, que estão na fase rebelde, lembrando que o livro foi publicado em 1992, ou seja, escrito entre o ano de 1990 até o ano de sua publicação, o que nos coloca no contexto de outro tipo de jovens, e os de Portugal. Uma outra realidade. Nesse grupo temos os rapazes e suas namoradas, que são as protagonistas da história. Os rapazes gostam de suas motas, esperam a noite cair para roubarem a gasolina dos carros enquanto as meninas vigiam, assistem filmes pornôs com as meninas na varanda, vão à bailes e dançam música lenta com as amadas, sempre cultuando seu líder e a rainha, no caso Ricardo Luz e a namorada Cláudia. 
      Cláudia é literalmente uma rainha, invejada por todas as meninas, desejada por todos os meninos, uma sedutora, fútil e ao mesmo tempo profunda. Isabel, a do namorado negligente. Teresa, a irremediável apaixonada. 

"Cláudia suspirava de alívio, mas de súbito aparecia um velho senhor, com um rosto lívido e solene, que lhe sussurrava ao ouvido: "Há respostas humanas para o que não é humano"." (pg. 83)

     Nessa história de cartas não enviadas, palavras ditas no calor do momento, paixões arrebatadoras, acompanhamos o amadurecimento dos personagens, cada ação resulta em algo posterior, planejado, cada personagem interligado por um laço de afeto ou desafeto. O enredo começa da morte de uma adolescente, que acreditasse jogou-se da varanda por ser gorda, e continua com a paixão de Cláudia por Diniz, irmão de Isabel, da qual Cláudia torna-se amiga inseparável. E assim vemos a história ser contada, por meio de textos maravilhosos e cartas sentidas.

"Envelhecer é revelarmo-nos à transparência. (...) Os velhos estão tão perto da morte como os adolescentes do suicídio - por excesso de idade. Aos adolescentes salva-os o sonho como aos velhos a memória." (pg. 88)

"Os livros contraem-se assim irremediavelmente, tragicamente. Não importa por onde comece a contaminação; há um cheiro, um restolhar de papel, e depois a gulodice alastra. Começando-se a ler muito antes de se saber localizar literaturas, nomes, gêneros, e há nesse estrebuchar inicial qualquer coisa de sublime que definitivamente se perde quando crescemos e aprendemos a selecionar o bom e o mau. Lembro-me de vaguear inebriada pelas prateleiras das livrarias, folheando as prateleiras de baixo à procura do livro que eu queria e não sabia qual era, revoltada com a ideia de que talvez o tal livro estivesse nas prateleiras de cima. Lembro-me dos dias em que um título, uma frase, me faziam trazer para casa ratoeiras onde os dedos se entalavam e os olhos esmoreciam." (pg. 102)



     Senti cada palavra do livro como se fosse pra mim, como se fosse minha, me identifiquei com um pouquinho de cada personagem, me apaixonei por cada um deles e senti vontade de reviver a história. Inês Pedrosa conta um romance sem melosidade, sem juras de amor eterno ou uma escrita cansativa, enjoativa. O estilo literário da autora é impecável, e o interessante é que a edição que tenho é de 2006, ou seja, antes do acordo ortográfico ser formalizado, li o livro no português de Portugal, e é muito diferente, acho que acabou sendo mais prazeroso, mais original, pois consegui assim ter um pouco da autora comigo, sem interferências. 
      Inês não cansa, Inês fala com sentimentos mas sem abusá-los, coloca a quantidade certa de amor, de poesia e filosofia, assim como nos fala nas entrelinhas, deixa espaço para interpretações, não usa do óbvio, mas também não é imprecisa. Adicionado com muita alegria aos favoritos.

"Mas Isabel não tinha medo dos sonhos. Quando alguma coisa lhe corria mal, fechava os olhos e concentrava-se no mundo ideal. Conseguia dormir horas sem fim e sonhar tudo o que queria. Não havia desespero ou humilhação capaz de desfazer a muralha de sono que Isabel entrepunha à vida."(pg. 123)

"A sua maior vaidade é deixar de perceber. Cansou-se de ler as linhas ordenadas do mundo. Cada ser é uma constelação de duelos insolúveis, às vezes a espada lampeja e o olhar clareia. Há em cada poeta uma aventura singular que articula o tempo que a vida escolheu para ele e o lugar que ele escolhe para si na vida."(pg. 155)


      
  • Livro: A instrução dos amantes
  • Editora: Planeta
  • Autora: Inês Pedrosa
  • Lançamento: 1992
  • Páginas: 168

2 comentários:

  1. Eu te falei que queria ler esse livro - ou qualquer outro da Inês Pedrosa, ouvi que Fazes-me Falta é genial também - e, depois dessa sua resenha, uma das melhores que você já fez por sinal, preciso conhecer essa autora.
    O português de Portugal é bem diferente mesmo, mas não acho que o acordo autográfico ajudou em qualquer coisa. Acho que o meu livro do Mia Couto, que é um português Moçambicano - que é bem mais de Portugal que do Brasil - e foi difícil do mesmo jeito. Mia Couto, a propósito, autor que eu já te falei sobre, se não me engano, e que você ia gostar muito. Poético na medida certa e cheio de referências à cultura africana, que você gosta bastante, não é?

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    1. Conheça, vale a pena! Obrigada pelo elogio à resenha. Fiz na madrugada de quarta-feira. Já me deparei com livros do Mia Couto que meus dedos coçaram para levar, mas ainda não tive a oportunidade, porém, quando terminar toda a minha lista de leitura, comprarei.

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