quinta-feira, 24 de outubro de 2013

O riso da meia-noite

O riso da meia-noite


Era tarde da noite, Edgar estava na sua cama, com as cobertas grossas até o nariz, apenas os olhinhos esbugalhados foram deixados de fora. Por baixo de toda aquela massa de tecido, o queixo do pequeno menino tremia, não de frio, mas de terror.

A tempestade estava no seu auge lá fora, o vento assobiava alto, fazendo as árvores se retorcerem e seus galhos quebrarem, a cada trovão suas sombras adentravam o quarto de Edgar, como que almas venerando os raios e as nuvens escuras no céu.
A antiga casa em que o garoto vivia ficava na parte mais retirada do vilarejo de Angoera[1], no litoral de Santa Catarina. Era uma casa cheia de histórias e lendas, o povo do lugar dizia até que era mal assombrada, pois décadas atrás, um homem muito rígido e conservador construiu-a, inspirando-se nos castelos medievais da Romênia para montar a arquitetura intimidadora da mansão, dizem, ainda, que um certo castelo foi o principal inspirador para a montagem da casa: o castelo de Vlad Tepes, o Conde Drácula.
Vladimir Teixeira, o morador original da casa, era uma figura excêntrica. Alto, de cabelos compridos, olhos cruéis e pele pálida. Usava vestes antigas, sempre com uma capa vermelho rubro, não importava quão quente o dia estava. Ou melhor, a noite, pois Vladimir nunca fora visto durante o dia.
Certo dia, alguns meses após estabelecer-se na sua nova casa (ninguém sabe de onde ele veio), resolveu conhecer seus vizinhos, dando uma festa à fantasia na sua mansão. Assim, mandou convites elegantes para todos do vilarejo, que possuía cerca de quinhentas pessoas, todas de famílias tradicionais e de gente muito simples, extremamente curiosas a respeito do novo habitante de sua terra, ou seja, ninguém iria perder a oportunidade de saber mais sobre ele e conhecer os mistérios daquela casa tão estranha aos seus costumes.
Na noite de 31 de outubro, todos se reuniram no grande salão da casa, que estava decorado com tecidos vermelhos e negros, deixando transparecer partes das paredes de tijolos cinzas, apenas um lustre antigo pendurado no centro do salão iluminava o local com suas velas tremeluzindo ao chão. Ao fundo, uma banda trajada de máscaras indecifráveis tocava músicas clássicas.
Os convidados, elegantemente trajados de toda sorte de fantasias, esperavam a chegada de seu anfitrião, que viram somente de passagem em sua carruagem de luxo passando pelo pequeno centro da vila.
Enquanto a curiosidade os corroía, dançavam e conversavam, esperavam que tivesse um banquete, mas a comprida mesa encostada na parede do cômodo estava estranhamente vazia, até agora. Com um estampido abafado, surgiram toda variedade de comidas e bebidas. Toda variedade anormal de comidas e bebidas: ratos assados, baratas no espeto, strogonoff de vermes, dedos ao curry, e uma bebida quente, vermelha e com um cheiro muito parecido ao sangue.
Os convidados olhavam estupefatos e horrorizados para aquelas aberrações, no inicio, pensaram ser uma mera brincadeira, deviam ser guloseimas em formatos estranhos. Mas descobriram que eram reais.
A gritaria começou em instantes, pessoas tentavam sair, mas a única grande porta do salão estava trancada, e então, para saciar a curiosidade de todos, que agora já não era tão grande, Vladimir Teixeira deu o ar de sua graça.
No pequeno palco de madeira onde a banda tocava, sua figura alta e agourenta ria a altos brados, mostrando os dentes amarelos e o olhar homicida, corroendo as almas, já perdidas, dos convidados aterrorizados.
Reza a lenda que Vladimir matou a quase todos os convidados, drenando seus corpos e mastigando seus corações ainda quentes. Porém, deixou quatro pessoas viverem, que correram de sua mansão, atravessaram o vilarejo, saíram do estado, e nunca mais voltaram.
Edgar ficou sabendo dessa história antes de dormir, quando sua irmã mais velha lhe disse que toda noite de 31 de outubro pode-se ouvir a risada malévola de Vladimir e os gritos de agonia dos seus convidados ecoarem pela casa.
A tempestade e os uivos do vento não ajudavam em nada para que Edgar pudesse dormir, cada sombra o aterrorizava e cada barulho fazia seu coração disparar no peito. Sua família havia se mudado para aquela casa ainda este ano, portanto, era o primeiro Dia das Bruxas que passava ali, e a irmã só o atormentava, ainda mais que os pais tinham ido a um baile na cidade, estavam somente ele e a menina naquela enorme casa.
O relógio batia onze horas, e ele jurava que ouvia um barulho vindo do corredor. Um som sinistro de passos pesados ecoando no assoalho de carvalho. Indo contra todos os seus instintos, ignorando o medo gritante que sentia, Edgar levantou-se da cama e andou em direção à porta grande e pesada do quarto. De algum jeito, ele tinha que descobrir quem era. Provavelmente seria Linda que só estava querendo o assustar.
Abriu a porta lentamente, apenas uma fresta. Espiou pela abertura, mas só conseguiu enxergar a penumbra do corredor. Colocou o pé para fora da porta, e foi para o corredor. Olhou para os dois lados, mas não via ninguém, ou nada.
- Linda?
Nenhuma risada, nenhuma voz zombeteira o respondeu. Os passos pararam quando ele abriu a porta, e agora que estava no corredor, o medo dissipou, pelo menos um pouco.
Foi até o quarto da irmã, ao final do corredor, somente com os clarões dos raios iluminando seu caminho. Bateu à porta, mas como ninguém respondeu, resolveu abri-la, somente para constatar que ninguém estava lá.  
            Será que Linda o havia deixado sozinho? Ou será que ela estava aprontando alguma coisa só para vê-lo fazer xixi nas calças? Afinal, ela adorava fazer isso com o pequeno Edgar, de apenas 6 anos.
            Mais um barulho, um estampido forte, como alguma coisa que desaparece no ar, vindo lá de fora, do jardim. Edgar vai correndo até lá fora, gritando pela irmã, sai pela porta da cozinha, assim não precisa passar pelo salão, achava que ali o medo o dominaria.
            Fora de casa, parado em frente à porta da cozinha, o vento o açoitava, os pingos fortes e grossos da chuva o machucavam. Estreitou os olhos, estava escuro demais e só enxergava algo quando os raios iluminavam o lugar. Entre um clarão e outro, ele avistou a sombra de uma pessoa perto do lago que rodeava a casa, ao lado do grande salgueiro. Foi em direção a aquela sombra, com seus passos pequenos, tendo certeza que era Linda pregando-lhe uma grande peça. Os assobios do vento acompanhavam o caminho do menino, e quanto mais perto da sombra ele chegava, mais seu coração lhe dizia que algo estava errado.
            A figura que avistara antes estava imóvel demais, apenas seus longos cabelos remexiam-se ao vento, era alta demais e magra demais para ser sua irmã. Mesmo assim, Edgar continuou, queria descobrir esse mistério, não podia parar agora.
            Parou há uns cinco metros da figura, que agora via estava coberta por um manto vermelho, de costas para ele, só via a capa e os cabelos longos e negros. Edgar, tentando acreditar que era a irmã a assusta-lo, exclama baixinho:
            - Linda...?
            A figura alta vira-se lentamente, e Edgar não consegue reprimir o grito. Seus pés não conseguem se mover, o coração disparado, o menino fica parado olhando o próprio Vladimir com seus olhos sangrentos, até que a risada começa. Uma risada diabólica, terrível, que gelou o sangue de Edgar, e fora o último som que o menino ouvira em vida.
            A polícia procurou por semanas, mas Edgar e Linda nunca foram encontrados, apenas um pedaço de um pijama de ursinhos fora encontrado grudado nos galhos do grande salgueiro, e todo dia 31 de outubro, os habitantes do vilarejo afirmam poder ouvir uma gargalhada angustiante vindo daquela mansão assombrada, que agora ninguém mais ousava habitar.


[1] Palavra tupy para fantasma, visão, imagem.

               O riso da meia noite  é um conto, muito clichê diga-se de passagem (para os mais críticos, o clichê foi exatamente o objetivo), escrito por mim e inspirado nas lendas urbanas que a data do Halloween lembra, e como essa data está chegando, resolvi escrever uma série de posts em homenagem ao dia 31 de outubro. É verdade que invejo os países de língua inglesa por comemorarem tal data, afinal, é cheia de mistério e magia. Pelo menos, é a impressão que fica, né? 

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